GESTÃO POR INCOMPETÊNCIAS

Gestão por Competências e Desvio de Função

Ultimamente, tenho ouvido muitos colegas usando o termo Gestão por Competências, que tem sido desvirtuado no Judiciário e MPU para tentar justificar a banalização do desvio de função e a usurpação de competências atribuídas por lei aos Analistas:

Se um técnico é "competente" para minutar despachos e assessorar magistrados, ele deveria ter sua "competência" aproveitada pela administração e não descartada. Essa falácia confunde os conceitos de competência laica com o de competência jurídica, desqualificando esse último sob a alegada defesa da "eficiência" da organização, como mostraremos a seguir.

Aqui é importante separar, como fazem Fleuri & Fleuri (clique aqui),o conceito de competência individual daquele que se aplica às organizações.

A gestão por competências é uma ferramenta de gestão de recursos humanos voltada para o desenvolvimento de habilidades alinhadas com o interesse da organização. Segundo Brandão et Ali (clique aqui) ela orienta esforços para planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos diferentes níveis, individual, grupal e organizacional, as competências necessárias para alcançar os objetivos organizacionais.

Suas principais ferramentas são avaliações de desempenho que identifiquem conhecimentos (informação, saber o quê, saber o porquê), habilidades (técnica, capacidade, saber como), e atitudes (querer fazer, identidade, determinação); bem como mecanismos de treinamento que as orientem; e, por fim, as políticas de recompensas e punições que as reforcem.

Observe-se que os trabalhos sérios sobre Gestão por Competências no serviço público não só não propõem a alteração de requisito de ingresso de cargos, como informam que a Gestão por Competências deve respeitar a legislação e o "padrão hierárquico com divisões explícitas de responsabilidade e autoridade de seus membros Silva & Mello (clique aqui).
Desvio de função e usurpação de competência não são Gestão por Competência!

Imperativo da Necessidade do Serviço, Um Caso Exemplo

Já ouvi de muitos diretores a afirmação de que a administração quer o serviço feito a qualquer custo. Mesmo alguns magistrados já me confessaram que serão avaliados pela produtividade, não importando como se a consegue, favorecendo os desvios.

Como gosto de exemplos, vou colocar um para discutirmos:

Se há muito serviço, e não há analistas suficientes, por que não colocar empregados de peritos para fazer parte do serviço de nível superior e estagiários para fazer o serviço de nível médio?

Os funcionários de perito são "gratuitos" e os estagiários são quase gratuitos. O serviço será realizado e a organização será eficiente, certo?

Melhor ainda, se o funcionário de perito ou o estagiário for bom, já que ele já faz o serviço com excelência, por que não afastar o concurso público e dar a oportunidade diretamente a essas pessoas que já comprovaram sua capacidade pelo mais eloquente dos testes que é a prática?

Certamente o resultado seria muito mais eficiente que contratar um Técnico ou um Analista que, embora tenham passado no concurso, nada entendem do serviço e levarão meses, talvez anos, para entender e aperfeiçoar a execução das tarefas?

Para evitar problemas, poder-se-ia implementar um concurso para estagiário e um para o funcionário de perito poder atuar no judiciário, que tal?

Concurso Público, Patrimonialismo e Os Limites da Busca da Eficiência no Setor Público

Na parte inicial do exemplo acima, colocar alguém para exercer uma atividade para o qual ele ou ela não titularizou a competência pelo concurso público contraria o Art. 37, II da Constituição (clique aqui):

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

assim, qualquer ato cometido por essa pessoa, seria nulo de pleno direito.
Interessante observar que a definição de quem pode entrar no serviço público está rigidamente inscrita na Constituição justamente para evitar essas bem intencionadas buscas de aparente "eficiência".

Como o legislador conhece o seu povo, e, como diz o Ministro Marco Aurélio, o chicote muda de mãos, ele achou por bem retirar todo e qualquer componente de subjetividade da escolha de quem vai ter acesso à titularização da função pública, garantindo essa oportunidade a todo brasileiro, e depois da emenda 19, de 1998, todo estrangeiro, na forma da lei.

Para o constituinte, a universalização do acesso ao cargo público é mais importante que o risco da escolha individual, embora talvez mais eficiente, eventualmente vir a favorecer direta ou indiretamente algum correligionário, conhecido ou parente.

Importante frisar que a  mesma emenda 19 incluiu a expressão "de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego", a meu ver para explicitar que não se pode admitir o acesso a cargos de maior complexidade pela aprovação em concurso para cargo de menor complexidade.

O fato é que a partir dessa emenda, a Constituição veda que o nosso estagiário ou nosso funcionário de perito da parte final do exemplo, que tenham feito concurso para suas respectivas atividades, possam, a partir daí, receber atribuições de um Técnico ou de um Analista.

Assim, as competências jurídicas do Técnico e do Analista são definidas na Lei 11.416 (clique aqui):

Art. 4o; As atribuições dos cargos serão descritas em regulamento, observado o seguinte:

I - Carreira de Analista Judiciário: atividades de planejamento; organização; coordenação; supervisão técnica; assessoramento; estudo; pesquisa; elaboração de laudos, pareceres ou informações e execução de tarefas de elevado grau de complexidade;

II - Carreira de Técnico Judiciário: execução de tarefas de suporte técnico e administrativo;

III - Carreira de Auxiliar Judiciário: atividades básicas de apoio operacional.

Alterar o requisito de acesso do cargo de Técnico tem, obviamente duas consequências: as tarefas de nível médio não terão quem as realize, uma vez que, por definição, dentro da lei, não podem ser executadas pelos Auxiliares nem pelos Analistas ou Oficiais. E, como vimos, nem mesmo pelos nossos estagiários ou funcionários de perito do exemplo.

Além disso, a alteração mencionada provocaria a confusão entre as competências jurídicas dos cargos de Técnico e de Analista: como as atribuições do Analista são, por definição, as de nível superior, a concessão do NS faria o Técnico tornar-se habilitado ao desempenho das mesmas tarefas que a lei outorga ao Analista.

Caso assim não seja, o NS do Judiciário será o único caso de requisito de ingresso de nível superior para desempenho de atividades de nível médio, em flagrante conflito com o interesse público e com a mens legis da Constituição que preferiu garantir o acesso de todos ao serviço público, respeitada a complexidade de cada cargo, não se admitindo a exclusão de concorrentes pela exigência de sobrequalificação.

Alguns mencionam recente decisão do STF, na ADI 4303 (clique aqui), que teria permitido um trem da alegria no Rio Grande do Norte.

Uma leitura atenta daquela decisão, ao contrário, reforça a jurisprudência de que é impossível o provimento derivado por ascensão funcional.

Naquele caso, nas palavras do Procurador Geral da República, não houve qualquer usurpação de competência. Radicalmente diferente da situação atual em que se pretende reestruturar somente o cargo de Técnico, fazendo-o conflitar com o de Analista.

Já não houvesse um cargo cujas atribuições são exatamente as pleiteadas pelos Técnicos, não haveria qualquer problema na alteração de requisito de ingresso.

Mas uma vez que já que existe o Analista Judiciário, tal alteração causaria sobreposição de competências, agravando ainda mais o problema da usurpação da sua competência como já ocorre à larga na prática.

Ou ninguém aqui conhece um Técnico que, mesmo sem gratificação de função, exerça as atividades de planejamento; organização; coordenação; supervisão técnica; assessoramento; estudo; pesquisa; elaboração de laudos, pareceres ou informações e execução de tarefas de elevado grau de complexidade?

Para alterar o requisito de ingresso do cargo de Técnico, seria necessário explicitar suas atribuições e punir a autoridade que cometer a ele as atribuições do Analista, sob pena de agravar ainda mais a usurpação da competência e a desvalorização do Analista.

Fundamentos do Pedido de Alteração de Requisito de Ingresso

Muitos e desencontrados são os fundamentos apresentados pelos nossos colegas técnicos para requerer o NS.

Alguns dizem que suas tarefas evoluíram para tornar-se de nível superior. Isso que me parece uma inverdade, se observarmos a quantidade de atividades de expedição e digitalização existente no processo eletrônico. E pior, a decorrência natural dessa afirmação seria haver interesse público na extinção do cargo.

Outros alegam que o cargo já está em extinção. Não há afirmação mais vazia de evidência empírica: quando se observa que os Técnicos são 70% da categoria, como pode uma maioria tão expressiva estar em extinção?

Há ainda os que alegam que já fazem o trabalho do Analista, alguns dizem até que o fazem melhor e por isso merecem ser reconhecidos. Pretendem a equiparação ou pelo menos 80% do salário do Analista. Estes deixam clara a intenção de ascensão funcional sem concurso público.

Há os que dizem genericamente lutar pela valorização do seu cargo. Num primeiro momento isso até parece verdade. Mas uma observação mais profunda demonstra que a canibalização de outro cargo público é um caminho perigoso, permitindo, em tese, que os Auxiliares qualificados pleiteiem a mesma alteração, transformando-se estes também em nível superior.

E além disso, abre enorme espaço para, caso a demanda não tenha sucesso, a possibilidade de terceirização das suas atribuições.

Há os que pretendem a valorização do cargo sem amento salarial, tese aliás defendida pela FENAJUFE em documento chamado MEMORIAL NS (clique aqui). Veja o que diz aquele documento:

"Ao exigir nível superior para Técnico Judiciário, a Administração contará com servidores que realizem tarefas de nível superior, mas que receberão salário atual equivalente àquele pago ao trabalhador de nível médio, o que traz impactos positivos aos Cofres da União e atende ao Princípio da Economicidade."

Ora, que tipo de valorização é essa?

Inversão de Ordem

Toda essa confusão é decorrente da inversão de premissas.

Pleiteia-se aumento de requisito de ingresso remetendo a comprovação da adequação ao interesse público para depois da aprovação da lei.

É fundamental que antes se debruce sobre as tarefas a desempenhar, delimitando o nível de conhecimento mínimo necessário para o seu satisfatório desempenho, para só então dimensionar a quantidade de cargos e os seus requisitos.

Inverter essa ordem fere de morte o Direito Administrativo, na medida em que a organização da Administração Pública deve ser decorrência lógica das necessidades apresentadas pelas tarefas a serem realizadas e não da conveniência de seus ocupantes.

Se há tarefas de nível médio a executar, deve a administração decidir entre a titularização de servidores com esse nível de escolaridade ou a sua terceirização.

Não cabe exigir nível superior ao necessário para sua execução, sob pena de afronta à Constituição.

Assim sendo, explicite-se então quais tarefas de nível médio evoluíram para nível superior e não caíram na esfera legal da competência dos Analistas Judiciários, para depois pleitear aumento de requisito de ingresso.

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