Sem Demagogia - O Nível Superior dos Técnicos Pela Ótica da Administração

O NS Pela Ótica da Administração

Sobrequalificação, Incongruência e Contracrescimento

O esforço de aumento de eficiência e contenção de gastos levado a efeito nas últimas décadas no Judiciário Federal, embora tenha conseguido excelentes resultados nos indicadores de produtividade, também produziu um claro descompasso ao longo dos anos entre o crescimento do volume de trabalho  a ser realizado e o número de servidores disponível para a tarefa. 

A gradual implementação do Processo Judicial Eletrônico vem contribuindo para a redução de atividades repetitivas e racionalização dos procedimentos, mas não é capaz de resolver um problema básico: há muito trabalho, e pouca gente para executá-lo.

Talvez, mas não só por isso, a prática de utilizar pessoal em desvio de função tem crescido de forma alarmante.

Em paralelo, na intenção de selecionar os melhores recursos disponíveis, os concursos para vem sistematicamente aumentando o grau de exigência e cada vez selecionando gente com mais formação, mesmo para a execução de tarefas para as quais não seriam tão necessárias, produzindo a falha de recrutamento conhecida como Sobrequalificação, na qual, pela ausência de satisfação no trabalho, o colaborador rapidamente se sente desmotivado reduzindo sua produtividade, sua cooperatividade, e aumentando a taxa de adoecimento e de pedidos de exoneração. Segundo Maciel & Camargo (clique aqui), ela tem 2 aspectos: a Incongruência,  onde o indivíduo tem qualificações acima das exigidas para a função, e o Contracrescimento, que se caracteriza pelo fato do indivíduo não conseguir desenvolver e usar as habilidades que possui. Ambas são encontradas no Judiciário.

Muito comum entre os Técnicos em desvio de função ocupando funções de Analista, a INCONGRUÊNCIA por si só não faz com que o indivíduo seja menos cooperativo, talvez por não atribuir culpa à organização pelo fato de sua qualificação ser excessiva para o trabalho que desenvolve.

CONTRACRESCIMENTO, frequente tanto em Técnicos que se afeiçoaram às tarefas de alta complexidade e almejam cargo de nível superior; quanto em Analistas que se encontram em desvio de função ocupando funções de Técnicos, vendo frustradas as expectativas prometidas no concurso pelo qual passaram, provoca profunda insatisfação e vontade de sair da organização.

Somado a isso, a limitação a concursos internos imposta pelo TCU após a Constituição de 1988 e a dificuldade para estudar devido à jornada de trabalho intelectualmente exaustiva, reduzem ainda mais as alternativas de progressão para os indivíduos sobrequalificados.

Falhas de Recrutamento

Há claramente uma falha de recrutamento no concurso de seleção de Técnicos judiciários que produz a sobrequalificação.
É indiscutível que há Técnicos com notório saber, especialistas em suas áreas de conhecimento. E que mesmo assim ainda não conseguiram passar pelo concurso de Analista.
A Administração tem reconhecido o valor dessas pessoas e tentado remediar o problema através da nomeação a cargos comissionados.
Mas isso é só uma emenda para um problema muito maior, que é a falha de recrutamento existente no concurso de Analista Judiciário.
Muitos desses Técnicos não passam no concurso porque sua experiência no Judiciário não é valorizada no certame. Isso poderia ser solucionado pela utilização do tempo de atividade em cargos comissionados como título no concurso, por exemplo.
Com isso, estaria preservado o espaço de discricionariedade da Administração para premiar apenas aqueles que merecem. Ao se conceder nível superior para todos os Técnicos indiscriminadamente, sem submissão ao CONCURSO PÚBLICO, por outro lado, premiaria aos que merecem, mas concederia o mesmo reconhecimento a quem não se esforçou para alcançá-lo. Um custo alto para um resultado que certamente será questionado pela sociedade.

Gestão por Competências e Concurso Público

Sem dúvida é desejável que os gestores possam contar com a versatilidade de utilizar as pessoas mais adaptadas nas posições em que mais elas possam contribuir. Com isso se evita o excesso de burocratização e se confere celeridade aos trâmites. Esse tema já foi bastante explorado nesse artigo anterior (clique aqui) onde ficou claro que há limites para até onde a Administração Pública pode aprofundar essa prática, sob pena de incorrer em patrimonialismo.

Resumindo muito superficialmente o que está ali, é perfeitamente justificável utilizar a gestão por competências entre cargos de mesmo nível, mas é temerário cometer a servidores aprovados em certames de nível diferente tarefas que possam relativizar o instituto do Concurso Público, que em última análise, é a única barreira contra o patrimonialismo e a maior defesa para garantir a igualdade de acesso ao serviço público para todos os brasileiros.

A necessidade de serviço não pode se colocar acima deste baluarte da coisa pública, pois se assim fosse, seria justificável a utilização de funcionários de peritos (gratuitos) e estagiários (muito baratos) na consecução dos trabalhos, o que é, obviamente, inaceitável.

Por fim, relativizar o Instituto do Concurso Público, aplicável a toda a Administração Pública, servidores e membros de Poder, é sempre perigoso e pode eventualmente vir a produzir consequências inicialmente inimaginadas.

Incoerências do Pleito de NS

Essa matéria já foi exaustivamente  discutida nesse artigo (clique aqui).

PLEITO DE TODA A CATEGORIA
Os Técnicos alegam que sua demanda por Nível Superior é um pleito de toda a categoria. Nada mais distante da verdade. Uma vez que os Analistas são minoria e em todas as assembleias e reuniões para deliberação sobre o tema, sempre serão matematicamente superados pelo contingente de técnicos, sua voz é sempre ofuscada. Esse é um claro exemplo da ditadura da maioria que, nas palavras de Alexis de Toqueville, pode levar à extinção a minoria silenciada.

EVOLUÇÃO DAS TAREFAS DE NÍVEL TÉCNICO PARA SUPERIOR
A própria tese que fundamenta o pedido de alteração do requisito de acesso para o cargo de Técnico judiciário, segundo a qual AS TAREFAS dos Técnicos teriam evoluído para exigir qualificação de nível superior carece de comprovação empírica. Não há UM ESTUDO SEQUER de NENHUMA ENTIDADE CONFIÁVEL que comprove que as alegadas atribuições de baixa complexidade necessitem de qualificação de nível superior para que sejam realizadas.

PJE E COMPLEXIDADE
Ao contrário, o que o senso comum demonstra é que o PJe, como todas as inovações de informatização de tarefas, controles e procedimentos para reduzir a possibilidade de cometimento de erros, tende a automatizar os tabalhos, tornando as tarefas de baixa complexidade ainda mais simples. A mera utilização de meios eletrônicos não torna, por si só, a atividade mais complexa. Como se fosse preciso ter nível superior para o preenchimento de formulários!

REESTRUTURAÇÃO SOMENTE DO CARGO DE TÉCNICO
Nenhuma reestruturação séria pode ser feita somente num cargo, pois obviamente, ela refletirá nos demais. Principalmente no Judiciário, onde a principal diferenciação entre os cargos de Técnico e Analista é justamente a complexidade da tarefa.

EXTINÇÃO DO TÉCNICO
Como já foi dito, a própria ideia de que não há mais tarefas de baixa complexidade no PJU e que por isso o cargo estaria em extinção é tão frágil que não resiste a um mínimo de contato com a realidade. Todo o trabalho de impressão e expedição de notificações, digitalizações e juntadas de peças, minuta de ofícios, mandados, certidões, alvarás, alimentação de dados em sistemas de controles de produtividade, e etc. permanecem de baixa complexidade. Pior, caso fosse verdade, a solução correta seria justamente a extinção da carreira de técnico, o que este trabalho não advoga, nem considera razoável, uma vez que não haveria quem fizesse os trabalhos supramencionados.

EXTINÇÃO DO ANALISTA
A concessão do Nível Superior aos Técnicos equivaleria à extinção dos Analistas, por não fazer sentido haver dois cargos de nível superior no PJU ambos com alta complexidade de tarefas, um mais caro e um mais barato.

ELITISMO
A extinção dos cargos de nível médio no Poder Judiciário fecharia a porta para a possibilidade de 2/3 da população ascenderem ao serviço público. Além de ser um pleito elitista, baseado na ideia de que a sobrequalificação é uma coisa boa, reduziria a diversidade de mentalidades da população de servidores, tornando o Judiciário paulatinamente mais insensível às demandas da classe mais baixa, que seria a partir daí cada vez menos representada no Poder.

VALORIZAÇÃO
A almejada valorização dos Técnicos, se obtida por essa via, pode até pacificá-los, mas provocará enorme grau de insatisfação na carreira prejudicada, a dos Analistas, tendo pouco efeito prático do ponto de vista da melhoria do ambiente de trabalho.

IMPACTO FINANCEIRO
Por fim, a ideia de que não haveria impacto financeiro na adoção da medida é uma falácia, pois como aconteceu com outras carreiras que alteraram o requisito de ingresso, a base de comparação de salário com carreiras análogas mudaria de patamar, tornando o Técnico Judiciário, hoje uma das carreiras de nível médio de salário mais alto, numa das carreiras de nível superior com salário mais baixo da administração pública. Magicamente.
E leve-se em consideração que, enquanto são de nível médio, os Técnicos já advogam a tese de que haveria um "abismo salarial" entre os seus salários e os de Analista. Imagine-se a pressão por equiparação salarial caso ambos os cargos venham a ser de mesmo nível e os Técnicos venham a titularizar as funções que hoje são dos Analistas por força de lei.

Reforma Salarial

Por último, deve-se ter em conta que o Poder Executivo planeja uma reforma nos salários iniciais dos servidores públicos que, caso seja aprovada como se ventila, levará o salário inicial de Analista para cerca de R$ 5.000,00 e o de Técnico para algo em torno de R$ 3.500,00. Com esses salários e com a desvalorização do cargo de Analista, será que a Administração não irá ter mais dificuldade em recrutar pessoal qualificado? Não seria a alteração de ingresso para o Técnico um tiro no pé?

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