Honestidade Intelectual e Representatividade
Uma vez perguntei a um colega, um servidor público conhecido por suas posições públicas a favor da manutenção de direitos adquiridos, qual era sua orientação política.
Para minha surpresa, ele me disse em alto e bom som que era "comunista"!
Fiquei surpreso.
Não só porque depois da queda do muro de Berlim e da fragmentação da esquerda a gente nem sabe mais o que significa exatamente essa expressão, mas principalmente por achar muito curioso alguém que, ideologicamente defende a igualdade econômica entre todos, ao mesmo tempo que na prática defende a manutenção do seu status social com base na principal ideia liberal que é a da manutenção dos contratos.
Questionado, ele me respondeu que uma coisa não tem nada a haver com a outra. Que antes de dividir o dele dever-se-ia dividir o do grande capitalista. Talvez na esperança que quando chegasse sua vez, não fosse necessária uma grande contribuição.
Mas não quero entrar no mérito dessa discussão aqui. Queria apenas ressaltar a incongruência filosófica entre discurso e ação. Isso é mais comum na nossa sociedade do que parece.
Mas não quero entrar no mérito dessa discussão aqui. Queria apenas ressaltar a incongruência filosófica entre discurso e ação. Isso é mais comum na nossa sociedade do que parece.
Somos um povo que acha muito ruim a corrupção em tese, mas acha perfeitamente justificável parar em fila dupla ou dirigir pelo acostamento nos engarrafamentos. Como isso só funciona se ninguém mais seguir pelo acostamento, o que se acha normal na verdade é furar a fila. Que significa desobedecer as regras sociais enquanto todos os outros as observam.
Achamos normal que haja escolas ruins para os mais pobres, que haja privilégio para o transporte dos mais ricos pelas vias públicas, que existam serviços de saúde diferenciados conforme a renda do doente. Confundimos a liberdade de gastar com o privilégio no acesso a serviços que deveriam ser públicos, indistintamente e igualmente oferecidos a todos.
Achamos normal que haja escolas ruins para os mais pobres, que haja privilégio para o transporte dos mais ricos pelas vias públicas, que existam serviços de saúde diferenciados conforme a renda do doente. Confundimos a liberdade de gastar com o privilégio no acesso a serviços que deveriam ser públicos, indistintamente e igualmente oferecidos a todos.
Recentemente perguntei a um pequeno empresário como ele via todo esse favorecimento de grandes empresas e essa corrupção nos recursos públicos. Ele me respondeu que dançava conforme a música. Repassava o custo da corrupção e da ineficiência para os preços e assim salvava o seu. E ia levando.
Fiquei surpreso novamente.
Esse posicionamento, muito comum no brasileiro, revela o imediatismo, uma postura meramente reativa que dificilmente fará com que o empresário tenha sucesso no longo prazo. Não só porque o planejamento de longo prazo sempre sobrepuja a velocidade, mas também porque com o passar do tempo, as pessoas e as organizações tendem a perder o viço e fenecer.
E a única resposta eficiente a isso é estar sempre inovando e moldando o futuro. É agrupar forças e influir no ambiente externo. Há questões tão complexas, como os serviços públicos, que afetam indistintamente a todo o país e por isso demandam a participação de todos no seu equacionamento.
Tive também a oportunidade de encontrar alguns professores universitários, todos doutorados, certamente a elite intelectual do país, e aproveitei para lhes perguntar o que achavam dos gastos com a Copa do Mundo.
Alguns me disseram que era um desperdício de recursos indefensável.
Outros, entretanto, esposaram a tese que o momento de discutir isso já tinha passado e que naquela oportunidade ninguém tinha se insurgido contra isso. Alegando o fato consumado, postularam que agora era tarde e que deveríamos tentar garantir uma boa festa para recuperarmos parte do prejuízo.
Lembraram ainda que os gastos com a Copa equivalem a apenas 1 mês do gasto de educação do país, ou um ano de Bolsa-Família, quantia que consideram ínfima, frente à exposição internacional e os benefícios que isso traria ao país além do legado que a copa deixaria.
Mais uma surpresa.
Gente que entende que os recursos públicos são limitados e advém da cobrança de impostos, mas que não vê qualquer problema em ver esse dinheiro deslocado da educação de mais de 100 milhões de pessoas ou da assistência social a mais de 40 milhões de brasileiros para atividades festivas que beneficiarão apenas algumas grandes construtoras, empresas de mídia e redes hoteleiras que certamente conseguiriam se financiar sem dinheiro público.
Gente que parece não perceber que o fato consumado não é motivo suficiente para que se lute com todas as forças para que isso jamais se repita.
Gente que não percebe a óbvia relação de causa e efeito consubstanciada na percepção que a escolha em fazer a festa é a escolha em nos distanciar mais um pouco da igualdade de oportunidade e do desenvolvimento.
Gente que não percebe que essas escolhas, que desperdiçam o dinheiro público ou no mínimo o usam para o benefício de poucos em detrimento da maioria, num país cujos gastos extrapolam as receitas, fatalmente terminarão em aumento da taxa de juros da dívida pública e inflação, com suas consequências já bastante conhecidas.
Não consigo deixar de pensar que essas pessoas, esses empresários e intelectuais de classe média, talvez por repassar custos aos preços, sonegar impostos, ter altos salários, ou ainda por encontrar qualquer outra forma de agrupar-se suas micro esferas exclusivas, são pessoas que habitualmente, e talvez inadvertidamente, eximem-se de algumas regras e obrigações sociais, não se sentindo brasileiros como a maioria. Talvez pensem em si próprios somente como parte de um micro espaço de poder que apenas interage com o Brasil, não sendo dele parte integrante.
Sendo assim, têm a ilusão de que não são responsáveis por omissão pela situação do país. Veem-se apenas como vítimas impotentes da falta de segurança, da falta de saúde pública, da falta de educação, da falta de abastecimento e de saneamento, da falta de infra-estrutura, etc..
Desconfiam de todas as instituições públicas, constatando que elas não os representam sem compreender que o exato motivo disso é sua total ausência do debate que constrói o pensamento dessas mesmas instituições. Abominam a divergência, acham-na inútil ou irrelevante. Ausentam-se e depois reclamam de terem sido preteridos por aqueles que, sem interlocução, propagaram meias verdades em proveito próprio. Reclamam da imprensa, que realmente só repercute o que lhe interessa, mas, mesmo sabendo disso, não buscam ativamente a verdade.
De outro lado, os grupos mais organizados politicamente capturam e partilham o Estado, avançando nos interesses da maioria silenciosa.
Se pretendermos realmente mudar as coisas e construir um futuro melhor para todos, será preciso abandonar a ilusão de que é possível no longo prazo "dar um jeitinho".
Será preciso resgatar a legitimidade das instituições, construir um ambiente de honestidade intelectual onde todos possam manifestar seu pensamento abertamente, sem patrulhamento nem ofuscamento e, mais difícil, onde todos sejam ouvidos e respeitados.
Isso começa com o compromisso de cada um em participar efetivamente do debate nacional. Sem meias verdades
Fiquei surpreso novamente.
Esse posicionamento, muito comum no brasileiro, revela o imediatismo, uma postura meramente reativa que dificilmente fará com que o empresário tenha sucesso no longo prazo. Não só porque o planejamento de longo prazo sempre sobrepuja a velocidade, mas também porque com o passar do tempo, as pessoas e as organizações tendem a perder o viço e fenecer.
E a única resposta eficiente a isso é estar sempre inovando e moldando o futuro. É agrupar forças e influir no ambiente externo. Há questões tão complexas, como os serviços públicos, que afetam indistintamente a todo o país e por isso demandam a participação de todos no seu equacionamento.
Tive também a oportunidade de encontrar alguns professores universitários, todos doutorados, certamente a elite intelectual do país, e aproveitei para lhes perguntar o que achavam dos gastos com a Copa do Mundo.
Alguns me disseram que era um desperdício de recursos indefensável.
Outros, entretanto, esposaram a tese que o momento de discutir isso já tinha passado e que naquela oportunidade ninguém tinha se insurgido contra isso. Alegando o fato consumado, postularam que agora era tarde e que deveríamos tentar garantir uma boa festa para recuperarmos parte do prejuízo.
Lembraram ainda que os gastos com a Copa equivalem a apenas 1 mês do gasto de educação do país, ou um ano de Bolsa-Família, quantia que consideram ínfima, frente à exposição internacional e os benefícios que isso traria ao país além do legado que a copa deixaria.
Mais uma surpresa.
Gente que entende que os recursos públicos são limitados e advém da cobrança de impostos, mas que não vê qualquer problema em ver esse dinheiro deslocado da educação de mais de 100 milhões de pessoas ou da assistência social a mais de 40 milhões de brasileiros para atividades festivas que beneficiarão apenas algumas grandes construtoras, empresas de mídia e redes hoteleiras que certamente conseguiriam se financiar sem dinheiro público.
Gente que parece não perceber que o fato consumado não é motivo suficiente para que se lute com todas as forças para que isso jamais se repita.
Gente que não percebe a óbvia relação de causa e efeito consubstanciada na percepção que a escolha em fazer a festa é a escolha em nos distanciar mais um pouco da igualdade de oportunidade e do desenvolvimento.
Gente que não percebe que essas escolhas, que desperdiçam o dinheiro público ou no mínimo o usam para o benefício de poucos em detrimento da maioria, num país cujos gastos extrapolam as receitas, fatalmente terminarão em aumento da taxa de juros da dívida pública e inflação, com suas consequências já bastante conhecidas.
Não consigo deixar de pensar que essas pessoas, esses empresários e intelectuais de classe média, talvez por repassar custos aos preços, sonegar impostos, ter altos salários, ou ainda por encontrar qualquer outra forma de agrupar-se suas micro esferas exclusivas, são pessoas que habitualmente, e talvez inadvertidamente, eximem-se de algumas regras e obrigações sociais, não se sentindo brasileiros como a maioria. Talvez pensem em si próprios somente como parte de um micro espaço de poder que apenas interage com o Brasil, não sendo dele parte integrante.
Sendo assim, têm a ilusão de que não são responsáveis por omissão pela situação do país. Veem-se apenas como vítimas impotentes da falta de segurança, da falta de saúde pública, da falta de educação, da falta de abastecimento e de saneamento, da falta de infra-estrutura, etc..
Desconfiam de todas as instituições públicas, constatando que elas não os representam sem compreender que o exato motivo disso é sua total ausência do debate que constrói o pensamento dessas mesmas instituições. Abominam a divergência, acham-na inútil ou irrelevante. Ausentam-se e depois reclamam de terem sido preteridos por aqueles que, sem interlocução, propagaram meias verdades em proveito próprio. Reclamam da imprensa, que realmente só repercute o que lhe interessa, mas, mesmo sabendo disso, não buscam ativamente a verdade.
De outro lado, os grupos mais organizados politicamente capturam e partilham o Estado, avançando nos interesses da maioria silenciosa.
Se pretendermos realmente mudar as coisas e construir um futuro melhor para todos, será preciso abandonar a ilusão de que é possível no longo prazo "dar um jeitinho".
Será preciso resgatar a legitimidade das instituições, construir um ambiente de honestidade intelectual onde todos possam manifestar seu pensamento abertamente, sem patrulhamento nem ofuscamento e, mais difícil, onde todos sejam ouvidos e respeitados.
Isso começa com o compromisso de cada um em participar efetivamente do debate nacional. Sem meias verdades